Editorial

Abril 1, 2024

Quando passares por alguém cuja linguagem corporal te faça sentir que por ti passou a dor, revestida de um corpo material, busca em ti mesmo a compaixão e a ternura e oferece-as, em pensamento, a esse ser que cruzou o teu caminho sentindo-se perdido e sozinho, e segue com ele por um troço da sua estrada de espinhos, dando-lhe o teu braço, amparando-o, fazendo-lhe companhia mentalmente…
Aprende a orar por quem não conheces, nesta vida, mas em cujo coração presentes angústias mil. Talvez seja ele esse ser amado, de que, temporariamente, te perdeste, mas em cujo olhar encontras os campos amados da infância partilhada e feliz, de outros tempos…
Desvia o olhar, por instantes, do céu amado e repleto de esperanças, onde mergulhas em busca do reforço da tua fé. Repara naqueles que seguem, sempre vergados para o solo, que limpam e tratam, e dirige-lhes uma saudação fraterna, que os faça sentir que são visíveis para alguém. Esse gesto pode acompanhá-los ao longo do dia e atenuar a revolta, a ira, e pacificar um coração martirizado…
Repara nas tuas mãos, saudáveis e preparadas para servir. Reflete que tudo nos é dado para que, com o tesouro que é a nossa vida, cada um possa ser generoso e pródigo na distribuição do que é a sua riqueza de amor, na forma de compreensão e vontade de ajudar quem é aflito…
Passas pelos dias em que as pedras que te foram atirando formaram um muro que parece intransponível. Sentes-te doente, precisas de pensar as feridas e encontrar um abrigo para repousar e recuperar forças. O silêncio está repleto de vozes amigas que enviam recados para o teu pensamento. Recolhe-os e verás o cansaço atenuado, a solidão substituída por mil presenças invisíveis, mas amigas e solidárias, que te estendem as mãos, sorrindo e cicatrizando todas as feridas…
Do berço ao túmulo, os desafios são constantes. É difícil nascer de novo, mas temos de superar as barreiras naturais para que a vida reinicie. Crescer é desafiante. Todo um mundo desconhecido se desdobra perante a nossa pequenez e, por vezes, parece assustador, avassalador. Nem sempre encontramos um lugar a que possamos chamar de nosso, ou sentimos que dele fazemos parte.

Decididos a vencer, tentamos novamente, uma e outra vez, recusando o cansaço, a ideia de desistir, a vontade de ceder ao abandono de si mesmo. Mais do que uma vez, e em diferentes momentos da existência, a voz do Mestre chega até nós recomendando: “dedica-te e segue adiante”. Dedica-te a seres melhor, a estudar mais o coração alheio e continua, mesmo quando surgem para ti abismos de dor, montanhas de dificuldades a transpor. Não cedas ao cansaço! Nem as dificuldades próprias nem as consequências dos nossos atos nos podem fazer
parar… Tudo à nossa volta é convite à perseverança, ao reerguimento quando surgir a queda, ao enxugar de lágrimas de desilusão. E consentir, a si mesmo, a oportunidade de continuar aprendendo para encontrar, no termo da ainda penosa jornada, o abraço daquele que nunca desiste de nós e nos sorri, repetindo: “dedica-te e segue adiante”.

Por Carmo Almeida
Ano XXXIX | N.º 162 | abril/maio/junho 2024 – trimestral

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